sexta-feira, 10 de setembro de 2010

                            no pier em 72 com Antonieta e Mirinha


Estou em alfa com as pessoas falando sobre meu livro. Craques das consoantes e vogais como o Janjão e o Fred, só fazem fortalecer a parada. Só posso agradecer penhorado.
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TEXTO DE FRED COELHO

O texto abaixo é a versão completa do box que saiu ontem no segundo caderno sobre o novo livro de Chacal, Uma História à Margem (7Letras). Não é uma resenha, nem é uma crítica. Ele é o registro da vontade de chamar todos para participarem das páginas em festa de Chacal. Festa, aliás, que será completa hoje, daqui a pouco, no lançamento do livro, na Travessa de Ipanema.
Assumindo a GROOVY PROMOTION de Sailormoon, digo e repito: achem, comprem e não percam o livro do Chacal. Na escrita curta e eficaz de blocos, a vida é dividida por temas como “Municipal de São Paulo 76”, “Quampérios”, “A Caravana Voadora”, “Os monges acrobatas”, “Expresso voador” ou “Mesa da PUC”. Flutua no texto a fluência de um contador de estórias jogando entre a literatura realista, o relato surreal e a poesia musical. Chacal narra a sua mitologia sem fundar mitos. Da Navilouca ao Clube da Esquina, das livrarias de Ipanema às salas do MAM, do futebol amador ao sítio dos Novos Baianos, do mimeógrafo até a Cosac Naify, do Asdrúbal ao Carioca, da Praia a FLIP.
O livro é também a chance de se entender como uma tradição da cultura carioca foi gerada. Ao lado de outros dois livros – Nuvem Cigana (Azougue) e Asdrúbal Trouxe o Trombone (Aeroplano) – as memórias de Chacal amarram esse importante momento da produção cultural do Rio e do resto do país. Ele nos mostra como as pessoas se encontram, se conhecem, se encantam com ideias e projetos em comum e se juntam para agir enquanto puderem - ou conseguirem. Chacal nos mostra como se cria um compromisso estético coletivo ao redor de uma política da cultura. A política da participação de muitos. Mesmo precária, sempre gregária.
Por fim, outro ponto fundamental: esse é um livro que nos narra de forma concreta o quão complexo é viver profissionalmente apenas, ou quase exclusivamente, da palavra poética, da criação utópica, do risco em nosso país (no mundo?). Nos mostra as derrotas temporárias e as agruras para ser pago, ter recursos, contratos, carteiras assinadas, segurança financeira quando sua matéria prima é a estupefação e palavras que só valem algo quando viram livros. É necessário entender a poesia não apenas como alimento romântico de uma vida à margem, mas também como ganha-pão legítimo do versador.
Comprem, olhem, virem, mexam. E não se esqueçam: Chacal ainda está por aí, inspirando, iluminando e articulando os novos de sempre, que nunca cessam, que sempre estarão pelas ruas da cidade.
A margem dentro do Rio
Rogério Duarte, poeta baiano, filósofo, designer e mestre da Tropicália, anunciava em um poema sobre o grupo de artistas que agitava a cena carioca de 1968: “a margem fica dentro do Rio”. Em À margem da vida Chacal confirma o verso de Rogério mostrando que, no seu caso, essa margem é o próprio Rio. Nessa autobiografia poética (sempre há um poema para iluminar a história), a vida do bardo se confunde permanentemente com a história cultural recente do Rio de Janeiro. Da abertura do texto com sua infância nas ruas de Copacabana na década de 1960 até as últimas páginas apresentando sua tranquila rotina na Gávea em 2010, temos quase quarenta anos de livros, shows, movimentos culturais, leitos hospitalares, carnavais, encontros iluminados e viagens físicas e lisérgicas.
Em uma sequência de tirar o fôlego do leitor, Chacal nos conduz aos idos da poesia marginal no início dos anos 1970, nos lembra da presença de Torquato Neto e Waly Salomão nos jornais e em revistas como a famosa Navilouca, passa pelos os shows de Gal Costa e dos Novos Baianos no Teatro Tereza Rachel e pelas Dunas do barato de Ipanema, até nos apresentar a formação do grupo de poetas que fundam a poesia de mimeógrafo e desembocam no Nuvem Cigana, primeiro coletivo cultural que tentou articular arte e negócios, loucura e mercado. Após o auge do Nuvem – com as Artimanhas, os Almanaques Biotônico Vitalidade, os livros de poemas, o Alert Limão e o bloco carnavalesco Charme do Simpatia – Chacal ainda tem energia criativa para prosseguir sua estrada com novos parceiros e novos lugares, se juntando à trupe do Asdrúbal Trouxe o Trombone ou indo morar temporariamente em Brasília e São Paulo. Nessa última cidade, um atropelamento em plena Avenida Paulista fez com que o poeta voltasse ao Rio de Janeiro para repensar a vida. Mesmo assim, pronto para outra, lá estava Chacal junto do grupo que renovaria a cultura carioca dos anos 1980 com o Circo Voador e todos seus coletivos de música, dança, e teatro. Incansável, Chacal ainda articulava através de seus livros lançados e de velhas parcerias a abertura de novos espaços para performances (ele mesmo teve com o guitarrista Mimi Lessa a dupla Irmãos Abdalla,), narrando o surgimento de trabalhos do porte de, Blitz, Fausto Fawcett (outro peso pesado que poderia escrever uma autobiografia como essa), Marcia X., Chelpa Ferro e muitos outros. Essas ações desaguaram no terceiro momento marcante dessa trajetória: o CEP 20.000. Já como novíssimos parceiros, atravessando duas décadas e mais uma vez ao lado de um coletivo de poetas, artistas, músicos e profissionais da cultura, Chacal atravessa zunindo os anos parados de 1990. Ainda nesse universo, ajuda a fundar o Bangalafumenga, bloco carnavalesco que, ao lado de outros blocos, reativaram o carnaval de rua do Rio de Janeiro. Sem perder o prumo, Chacal arruma tempo e disposição para, ao lado de sua poesia, participar de outros momentos marcantes como a revista O Carioca, e os eventos Freezone, Almanaque e Miscelânia.
Todas as atividades narradas pelo autor amarram uma longa linha de trabalho e militância a momentos decisivos da história cultural carioca. Ao menos na Zona Sul da cidade, tais eventos, livros e revistas foram movimentações que fundaram e definiram gerações de artistas e intelectuais. Louvadas ou criticadas, cheias ou esvaziadas, todas as ações que Chacal se envolveu giraram ao redor da palavra poética, de sua inventividade e, principalmente, de seu risco. Se movendo como pode, por onde dá, quando possível, faz de Chacal um dínamo improvável. Em sua narrativa, poesia, punk rock, futebol, batucada, os meandros do mercado editorial, governos, porres, baixo gávea e baixo Leblon, tudo isso e muito mais apresenta ao respeitável público um novo retrato do marginal. Não mais o 3x4 do B.O., mas a grande panorâmica de um artista em tempo integral.
Enxergando longe da obscuridade que muitas vezes o prendeu no gueto do “alternativo”, terminamos o livro percebendo que, para além das armadilhas conservadoras que estigmatizaram uma geração inteira, o poeta marginal não ficou à margem.
Após a leitura, uma pergunta fica no ar: quem poderá, daqui a trinta anos, escrever um livro como esse sobre a cultura carioca atual?
Escrevendo este post, me veio na cabeça Sérgio Sampaio, outra de muitas das margens desse Rio que Chacal navega até hoje: um livro de poesia na gaveta não adianta nada. Lugar de poesia é na cabeça. Lugar de quadro é na exposição (Fred Coelho)


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