quarta-feira, 5 de junho de 2013

crítica de rodrigo monteiro


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Uma história à margem (RJ)

Ricardo Chacal é o autor e o ator de
"Uma história à margem"
Foto: divulgação

Cheio de grandes contribuições

Uma história à margem” é uma delícia de espetáculo até que o público perceba que o ator/personagem está, na realidade, apenas contando a sua vida. Nesse momento, já passados os sessenta primeiros minutos de apresentação, faz as contas na cabeça: se Chacal está falando dos anos 80 e estamos em 2013, ainda faltam trinta anos para ser contados. Ou seja, o monólogo parece que vai durar mais umas quatro horas. A conclusão, que felizmente não é verdadeira, é fatal para a fruição. Caem por terra, todas as boas expectativas construídas antes dessa sensação. Duas questões são negativas no sentido de que embasam esse momento de crise: a) a dramaturgia, que insere repetidamente no diálogo expressões como “em mil novecentos e setenta e três, ...”, marcando a linearidade da narrativa; b) a má organização dos momentos estéticos, que distribui regularmente (o que é monótono) algumas construções que poderiam estar na apoteose. De resto, vale dizer que o espetáculo é imperdível para quem se diz fazer literatura, música e também teatro no Rio de Janeiro, além daqueles que viveram (na realidade ou em suas mentes) os anos 70, 80 e 90 na Cidade Maravilhosa.

O Chacal ator e o Chacal personagem se confundem na peça que acontece a partir do livro homônimo autobiográfico do poeta carioca Ricardo Chacal. Se o personagem, nesse sentido, tem verve performática, o espetáculo, ainda que flerte com esse tipo cênico-textual (a performance), é uma peça formal. Com isso, quer-se apontar para o fato de que, em “Uma história à margem”, há momentos cheios de marcas de imprevisibilidade, mas a narrativa é sustentada sobre pistas de marcação, prévia combinação e de planejamento. Nesse sentido, o mais interessante da fruição é o privilégio que o espectador atento sente de estar diante de uma das figuras mais importantes da cultura brasileira contemporânea e ouvir, de sua própria boca, o testemunho de fatos que marcaram a nossa história artística e cultural. Sem abrir mão do efeito de denegação (o que impede o público de invadir o espaço cênico e interromper o ator em suas falas), a peça consegue deixar o público à vontade sobretudo pela forma bastante simples com que todos os efeitos são engendrados. Tudo parece ser caseiro, artesanal, puro e, considerando a história que está sendo contada, a forma se casa perfeitamente com o conteúdo e o quadro resultante é forte, coeso e coerente.

Chacal se descobriu poeta no início dos anos de 1970 e, jovem, viveu a efervescência cultural da cidade de forma intensa. As descobertas sexuais, as drogas, o esporte, as noites de bebedeira, os shows, os contados com artistas, com a política, os dramas financeiros, tudo isso faz parte desse quadro que vai sendo pintado aos poucos. A linearidade da narrativa, como já se apontou, é um problema porque prenuncia não só o final da história, mas a durabilidade da narração. A falta de boa hierarquia na distribuição dos acontecimentos cênicos prejudica igualmente o que há de puramente cênico no espetáculo. Sobre essa segunda questão, pode-se citar, com um entre vários exemplos, a forma como o “acidente” é narrado em cena. O artifício utilizado (quem assistir à peça saberá qual é) é belo demais para acontecer naquele momento uma vez que, na sua sequência, não haverá outros como ele ou ainda mais belos. Em outras palavras, o final do espetáculo segue uma linha descendente que até encontra um final interessante, mas que não supera o seu início.

Ricardo Chacal é carismático e a proximidade providenciada pelo pequeno espaço da Sala Rogério Cardoso da Casa de Cultura Laura Alvim lhe é ainda mais favorável. O uso da voz e do corpo é boa, o espaço cênico é bem aproveitado, os movimentos são potentes e significativos. A direção de Alex Cassal é bastante criativa por se pautar no bom uso de materiais simbólicos: o vermelho do outono londrino, o píer de Ipanema, velhos grampeadores, o papel crepom roxo. Todos os elementos se comunicam igualmente entre si de forma que a estrutura manifesta um quadro autorreferencial e positivo. O uso da trilha sonora e da iluminação são bastante positivos igualmente.

Apesar das dificuldades, eis aí uma produção cuja importância é inegável do ponto de vista de sua realização, mas também por sua contribuição às artes cênicas, à literatura e, principalmente, à cultura brasileira.

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Ficha técnica:

De/ Com: Ricardo Chacal
Direção: Alex Cassal
Pperação de som, luz e vídeo: Pedro Montano.
Produção: Bárbara Fontana

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