sexta-feira, 27 de maio de 2011

DA UTOPIA 1



sos

tem gente morrendo de medo
tem gente morrendo de esquitossomose
tem gente morrendo de hepatite miningite sifilite
tem gente morrendo de fome
tem gente morrendo por muitas causas

nós, que não somos médicos, psiquiatras,
nem ao menos bons cristãos,
nos dedicamos a salvar pessoas
que, como nós,
sofrem de um mal misterioso: o sufoco.

circa 74, performei esse poema no terraço de uma escola para crianças em ipanema, num happening inventado por fernando lemos. falei com uma cadeira virada pra baixo em cima da cabeça. antenas da raça. heloísa buarque, a sagaz, passou a chamar aquela turma que pintava, como geração do sufoco.

e que sentimento era esse? simplesmente o mal estar da civilização, o ennui dos dias dentão, o spleen brasil anos 70. a rebordosa de um momento de extrema riqueza estética e utópica dos anos 60. o medo da truculência barra pesada da ditadura. e o desconforto de viver num mundo em que os valores se voltavam para o dinheiro e o consumo.

era a mudança do capitalismo focado na produção para o capitalismo centrado no consumo. do sólido para o líqüido, como diz bauman. até então, bem ou mal, tínhamos nossas bandeiras: a Revolução, novas formas de ver o mundo e viver a vida, a criação de novas relações entre as pessoas, mais afetivas, menos competitivas. isso era um sonho que se sonhava junto. não era uma utopia. era um desejo que vivíamos para realizar.

mas o sistema capitalista se encarregou de inviabilizar esse desejo de milhares de pessoas, se transmutando em economia de mercado, esvaziando qualquer discussão ideológica e através da publicidade, a alma do negócio, narcotizar a massa para o consumo. "não se discute, não se conversa, consume-se".

no início dos 80, o estouro das bolsas de valores, os yuppies, o capital não mais ancorado no trabalho e na produção, mas no investimento em ações. capital volátil, dinheiro gerando dinheiro e a explosão do cartão de crédito. era preciso ter. consumir a qualquer custo, através do endividamento crescente das pessoas em favor de bancos agiotas. essa era a nova cara do inimigo invisível, “não-ideológico”: consumir a todo custo. consumo gera empréstimo, empréstimo gera juros, juros sobre o juros, bola de neve impagável, mais cruel q qualquer ditadura.  

qual é a cultura desse estágio do capitalismo focado no consumo, também chamado de neo-liberalismo? zumbis que só pensam em comprar coisas, status, aparecer. uma mídia tirana que ao mesmo tempo que vende produtos, vira partido político, braço armado do neoliberalismo, transforma pessoas, sentimentos, desejos em mercadorias.

é contra isso que os jovens se revoltaram nos 80 e foram transformados pela mídia em punks, em hippies de boutique. e é isso que hoje levam às ruas, em dezenas de países do norte da áfrica, do oriente média e agora na espanha, milhares de jovens, que agora se comunicam digitalmente, sem a interferência da mídia tradicional. se levantam contra o sufoco, essa coisa intangível, esse sentimento de impotência, de abulia que a sociedade do consumo imprime nas pessoas. contra esse estado de coisa, essa coisificação. contra um sistema que não distribui, mas acumula nas mãos de poucos, que não cuida do meio ambiente, mas desmata e polui. desmata qualquer tipo de reação e polui toda dignidade e expressão humana.

contra isso os jovens estão na praça do sol em madri, como estiveram no egito, na líbia, na síria, no iemen, na tunísia, na grécia. pessoas que saem às ruas para se sentirem novamente pessoas, cidadãos, pelo prazer de estar juntos e lutar. em breve, aqui.


Um comentário:

  1. acebei de ler.fiquei ser ar..preciso dar um tempo e voltar a respirar..mesmo este ar poluído.
    Utópicas verdades.
    uma visão realista de um sonho futurista..tomara, será que ainda dá tempo?
    será que a geração playstation consegue?

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